ATA DA QUARTA SESSÃO SOLENE DA QUARTA SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA DÉCIMA SEGUNDA LEGISLATURA, EM 21-03-2000.

 


Aos vinte e um dias do mês de março do ano dois mil reuniu-se, no Plenário Otávio Rocha do Palácio Aloísio Filho, a Câmara Municipal de Porto Alegre. Às dezessete horas e trinta minutos, constatada a existência de “quorum”, o Senhor Presidente declarou abertos os trabalhos da presente Sessão, destinada a comemorar o Dia Internacional para a Eliminação da Discriminação Racial, nos termos do Requerimento nº 10/00 (Processo nº 184/00), de autoria da Vereadora Saraí Soares. Compuseram a MESA: o Vereador João Motta, Presidente da Câmara Municipal de Porto Alegre; o Senhor José Fortunati, Vice-Prefeito Municipal, representante o Senhor Prefeito Municipal de Porto Alegre; a Senhora Vera Quintana, representante da Coordenadoria Estadual da Mulher; o Delegado Carlos Alberto Sperotto, representante do Senhor Chefe de Polícia do Estado do Rio Grande do Sul; o Vereador Carlos Alberto Garcia, 3º Secretário da Casa. Após, o Senhor Presidente convidou a todos para, em pé, ouvirem a execução do Hino Nacional e, em continuidade, concedeu a palavra aos Vereadores que falariam em nome da Casa. A Vereadora Saraí Soares, em nome das Bancadas do PDT, PPB e PPS, comentou a relevância da comemoração, por toda a comunidade, do Dia Internacional para a Eliminação da Discriminação Racial, analisando a presença da etnia negra na sociedade brasileira e historiando aspectos relativos à vida e à importância histórica de Zumbi dos Palmares. A Vereadora Clênia Maranhão, em nome da Bancada do PMDB, cumprimentou a Vereadora Saraí Soares pela iniciativa de propor a presente solenidade, manifestando-se contrariamente às políticas segregacionistas implementadas em diversos países da África e propugnando pela busca de alternativas que garantam a todos o exercício dos direitos básicos de cidadania. Na oportunidade, o Senhor Presidente registrou as seguintes presenças, como extensão da Mesa: do Senhor Telmo Kruse, Vice-Presidente do Conselho de Cidadãos Honorários de Porto Alegre; do Senhor Humberto José Scorza, Coordenador do Conselho Municipal de Saúde; do Senhor Renato de Oliveira Santos, Secretário Estadual do Partido dos Trabalhadores para o Combate ao Racismo; da Senhora Maria Helena Calixtu Peninha, representante da Executiva Municipal da Ação Mulher Trabalhista - AMT; da Senhora Samanta Buglione, representante do Grupo THEMIS de Estudos e Assessoria Jurídica; da Senhora Eva Enedi de Medeiros, representante do Centro Comunitário ARAPEI; da Senhora Elisabete Freitas, Presidenta da Cooperativa dos Trabalhadores das Vilas de Porto Alegre - COOTRAVIPA. Em continuidade, o Senhor Presidente convidou a Vereadora Saraí Soares a assumir a presidência dos trabalhos e, após, foi dada continuidade às manifestações dos Senhores Vereadores. A Vereadora Tereza Franco, em nome da Bancada do PTB, destacou a necessidade da conscientização sobre a importância do respeito e do convívio pacífico entre as diferentes etnias que formam o povo brasileiro, relatando violências e discriminações sofridas por Sua Excelência ao longo de sua vida, pelo fato de pertencer à raça negra. O Vereador Carlos Alberto Garcia, em nome da Bancada do PSB, historiou dados atinentes às lutas empreendidas pelos diversos segmentos sociais na busca da erradicação de toda e qualquer forma de segregação racial no País, analisando os efeitos, junto à sociedade brasileira, da promulgação da Lei dos Sexagenários e da Lei Áurea. O Vereador Reginaldo Pujol, em nome das Bancadas do PFL e do PSDB, saudou o transcurso do Dia Internacional para a Eliminação da Discriminação Racial, tecendo considerações sobre os efeitos causados pela interação de diferentes etnias sobre a formação social do Brasil e externando seu repúdio aos conflitos étnicos ocorridos em diversos países nos últimos anos. O Vereador Antônio Losada, em nome da Bancada do PT, referiu-se ao Dia Internacional para a Eliminação da Discriminação Racial como uma data destinada à reflexão acerca do papel exercido pelas minorias étnicas frente à sociedade, lembrando as atividades realizadas pelo Senhor Nelson Mandela no sentido de elidir a aplicação de políticas segregacionistas na África do Sul. A seguir, a Senhora Presidenta concedeu a palavra aos Senhores Maria Conceição Fontoura e José Fortunati, que destacaram a importância do registro hoje realizado pela Câmara Municipal de Porto Alegre com referência ao transcurso do Dia Internacional para a Eliminação da Discriminação Racial. Após, o Vereador João Motta assumiu a direção dos trabalhos, convidou a todos para, em pé, ouvirem a execução do Hino Rio-Grandense, agradeceu a presença de todos e, nada mais havendo a tratar, declarou encerrados os trabalhos às dezoito horas e cinqüenta minutos, convidando os presentes para a Sessão Solene a ser realizada a seguir. Os trabalhos foram presididos pelos Vereadores João Motta e Saraí Soares e secretariados pelo Vereador Carlos Alberto Garcia, 3º Secretário. Do que eu, Carlos Alberto Garcia, 3º Secretário, determinei fosse lavrada a presente Ata que, após distribuída em avulsos e aprovada, será assinada pelos Senhores 1º Secretário e Presidente.

 

 

 

 


O SR. PRESIDENTE (João Motta): Estão abertos os trabalhos da presente Sessão Solene, destinada a homenagear o Dia Internacional para Eliminação da Discriminação Racial.

Convidamos para compor a Mesa o Vice-Prefeito José Fortunati; a representante da Coordenadoria Estadual da Mulher, Sr.ª Vera Quintana; o representante do Chefe de Polícia do Estado Dr. Carlos Alberto Sperotto.

Convidamos todos os presentes para, em pé, ouvirmos o Hino Nacional.

 

(Executa-se o Hino Nacional.)

 

Com a palavra, a Ver.ª Saraí Soares, que fala como proponente e em nome das Bancadas do PDT, PPB e PPS.

 

A SRA. SARAÍ SOARES: Sr. Presidente, Srs. Vereadores, senhoras e senhores presentes, escrevi alguma coisa para falar, mas geralmente falo pouco do que escrevo.

Ao começar esta Sessão Solene gostaria de fazer algumas reflexões junto com as pessoas que estão presentes. Agradeço a todos pela presença, pois sei como é difícil estar presente neste horário, às cinco horas da tarde.

Quero dizer que não estamos acostumados a celebrar dias como este, fazer atividades neste dia, no entanto, hoje é um dia fundamental para quem é da raça negra, e de outras raças também, que foram discriminadas tanto quanto a nossa, porque hoje é o Dia Internacional contra a Discriminação Racial. Para mim, registrar isso na Câmara de Vereadores me dá bastante orgulho e até me emociona, porque quem vê de fora pensa que na Câmara de Vereadores está tudo resolvido, ou que por aqui as pessoas têm algumas noções claras de como se compõe e como vive a nossa sociedade hoje.

Eu gostaria de relatar um fato que aconteceu comigo há cerca de uma hora, uma coisa que ficou entre o cômico e trágico: eu me dirigia ao banheiro das Vereadoras, que é um banheiro que esta Casa tem para uso das Vereadores, e quando eu entrava a moça da limpeza me abordou, dizendo que eu não podia usar o banheiro, porque ele era destinado somente a Vereadoras. Fatos como este é que fazem eu usar esta tribuna, hoje, e esperar que, no próximo ano, nós consigamos lotar esta Casa para refletir sobre esse tema, sobre este momento, e o quanto estamos longe de encontrar a igualdade dentro da sociedade em que se vive, dentro do País e do mundo em que se vive.

É de se registrar que a nossa sociedade vem sendo constituída sempre por homens, por brancos e por ricos, e que só no dia em que conseguirmos identificar isso, no dia em que tivermos consciência de que foi assim que nós nos compusemos ou que nos formamos, vai ser o dia em que nós começaremos a tratar as nossas diferenças como coisas legitimas de cada um e não como coisas inferiores.

Hoje, infelizmente, os negros, as mulheres, os deficientes, e outros segmentos da sociedade são tratados como menos, como menores, como não-capazes, e esse fato que acabei de relatar, que aconteceu comigo há pouco tempo, é um fato que identifica isso. Eu já passei por diversas situações semelhantes a essa, mas escolhi essa para relatar aqui, porque aconteceu há cerca de uma hora.

Neste momento há aqui várias pessoas identificadas com a questão racial, pessoas que poderiam falar, de vários temas e fatos, melhor do que eu, mas como sou a proponente desta Sessão, coube a mim esta tarefa e vou realizá-la, citando, por exemplo, a situação do nosso companheiro americano, que está no corredor da morte porque foi suspeito de ter matado um cidadão. Um negro norte-americano, apesar de ter sido perdoado - não sei dizer o seu nome, porque não consigo pronunciar -, está no corredor da morte porque uns policiais brancos suspeitaram, disseram que ele matou um homem branco, sem nenhuma prova, sem nenhuma consistência. E apesar de ter sua morte adiada, continua lá, esperando para ver o que a nossa sociedade vai fazer com ele. E assim por diante.

Temos, também, esse fato lamentável que encheu as páginas dos nossos jornais nos últimos tempos, onde aqueles policiais brancos choraram, pediram desculpas, por terem matado um cidadão negro na porta da sua casa, com vinte tiros, porque suspeitaram que ele ia reagir à voz de prisão.

A nossa história vem sendo composta de vários fatos como esses, por isso pensei em fazer esta Sessão Solene, independente de todas as dificuldades que tive para realizá-la. Lembro que, infelizmente, no nosso País, o Dia Internacional para a Eliminação da Discriminação Racial não é tão badalado como gostaríamos que fosse, mas um dia vai ser.

Há também o caso da Glória Maria, jornalista da Rede Globo, que foi impedida de entrar em um hotel, porque era negra. E isso acontece no dia-a-dia de todos nós. Temos que sair pela cidade e olhar com outros olhos, com os olhos que vêem que os negros também podem estar em todos os lugares, fazendo todas as coisas. Vamo-nos dar conta do porquê de Jesus Cristo ter sido perseguido, do porquê de Zumbi, do Quilombo dos Palmares, ter sido perseguido e do porquê de, até hoje, pessoas que são descendentes de judeus, continuarem sendo perseguidas, a exemplo dos negros. Fiz questão de me deter mais na questão dos negros porque ainda somos a maioria neste País, que ajudamos a construir com muito suor, com sangue, com ódio, com aborto, tendo os nossos filhos arrancados. Tudo que nos era de direito nos foi negado e sobrevivemos a todos. Continuamos neste País, que também é nosso, embora muitos façam questão de dizer que não, principalmente neste Estado, que é composto por maioria branca que trata os negros como se eles tivessem tomado posse deste Estado, ou que chegaram aqui depois, ou que estão por aqui sem saber muito bem de onde vieram. É para essas pessoas que eu gostaria de falar. Infelizmente, essas pessoas costumam fazer “ouvidos grossos” para esse tipo de assunto. As pessoas dizem que os negros fazem por merecer, não estudam, não se esforçam, não economizam, só querem saber de dançar, beber, festear, e, depois, ainda querem se dar bem na vida. É contra esse tipo de conceito que temos que reagir cada vez mais. Um colega meu fez uma proposta, com a qual estou de pleno acordo, de que não podemos mais aceitar esse tipo de situação.

Quanto à situação da senhora ali no banheiro, primeiro eu não disse nada; depois, eu disse para ela que eu só iria usar aquele banheiro porque eu também era Vereadora. E ela ficou muito constrangida. Situações como essa acontecem todos os dias na vida da gente e em vários lugares, e não podemo-nos calar diante disso. E não é só porque agora existe lei que pune esse tipo de situação. Não. É porque isso é um direito que nos roubaram, negaram isso a vida inteira para nós e continuam negando todos os dias, dizendo-nos que não é em todos os lugares que pode haver negros ou mulheres. Essa situação só vai terminar quando retomarmos o que é nosso.

Não estamos pegando nada de alguém. Este País, este Estado, esta Cidade é tão dos negros quanto de qualquer outro. Só queremos ter direito à saúde, à educação, ao lazer, a tudo aquilo que os brancos e os ricos sempre tiveram. Os pobres, as mulheres e os negros também querem esses direitos. Num País como o nosso, que é dominado pelo capital, que traz a cultura de acumular, só há ricos porque houve muito pobre para eles explorarem. Só há brancos poderosos porque há muito negro que morreu, escravo, no açoite, no Rio Grande do Sul e em vários outros lugares.

E o nosso povo, hoje, tem a sua auto-estima baixa porque nunca alguém admitiu que o Zumbi não era bandido; ele foi um herói. Finalmente, nesses últimos tempos, estamos conseguindo resgatar, passo a passo, cada pedaço da nossa história que jogaram por aí e que disseram que não existia e que não era coisa muito boa de ser lembrada. Não.

Hoje, felizmente, posso ocupar esta tribuna e, solenemente, dizer que Zumbi dos Palmares foi um herói, que foi o primeiro cidadão deste País a tentar fazer reforma agrária, o primeiro cidadão que conseguiu construir, de verdade, uma sociedade socialista, porque, em Palmares, as pessoas eram todas iguais - os brancos, os negros, os índios, as mulheres e os homens. Dividiam tudo que plantavam e comiam tudo que tinham e respeitavam todas as diferenças. Esse lugar, que é um lugar que eu, pessoalmente, chamo de um lugar socialista, era Palmares e lá, quem liderava era Zumbi, um homem negro. Nós tínhamos que aprender a contar isso todos os dias, dizer que o negro é bonito, que cabelo de negro não é cabelo ruim, não. Nós temos que nos acostumar a dizer isso, porque as pessoas dizem que fulano tem cabelo ruim, que é mais preto, o beltrano é menos preto. E todo mundo quer ser menos preto. Mas não tem problema nenhum de uns serem brancos e outros serem pretos. A única coisa que devemos saber é que a sociedade branca e machista castrou os direitos das mulheres e dos negros e nós temos que resgatar isso para termos uma sociedade justa e igualitária. Nós podemos ter salários iguais, nós podemos ter casas iguais, nós podemos ter uma série de coisas iguais; agora, se nós não tivermos identidade, nós ainda não vamos ser iguais. Se nós não tivermos auto-estima, se nós não tivermos orgulho de onde viemos, quem somos, nós não vamos conseguir constituir uma sociedade justa e digna para todos.

Esta Sessão Solene é para nós refletirmos juntos a respeito dessa situação. Hoje, felizmente, teremos um ato público, em frente ao relógio, para dizermos que, aqui, são outros 500, que os nossos 500 não são os 500 da Globo. Depois, teremos um ato/show no Araújo Viana e é assim que a sociedade vai tomando conta e tomando forma.

Outra forma de ver é que ainda existem muitas coisas além da infra-estrutura, existem coisas que o dinheiro não resolve. Nós podemos ter, na nossa Cidade a melhor qualidade de vida, mas ainda temos que bater na auto-estima do nosso povo e a auto-estima não se compra, é aquilo que a gente diz todos os dias para as pessoas. E todos os dias eles dizem que os negros são inferiores, que nós não podemos estar em todos os lugares e que os lugares menos valorizados é para os negros e os outros são para aqueles que sempre ocuparam esses lugares. Nós costumamos dizer que, para os negros, fica aquilo que sobra. Infelizmente, é assim, e nós só vamos conseguir mudar isso o dia que nós admitirmos que, realmente é desse jeito.

Então, situações como esta, da moça dizer que eu não poderia usar o banheiro, porque ele era só para as Vereadoras, isso aconteceu comigo, mas deve acontecer com várias outras pessoas. As pessoas podem dizer: “mas também tu não andas lá muito arrumada e tal.” Mas não interessa. E eu duvido, gente, se eu fosse branca e estivesse de camiseta e calça jeans, que ela teria me dito isso. Com certeza não teria. A gente até citou, entre o riso e a coisa trágica, vários exemplos. E eu já passei por outra situação dessa, e várias pessoas que aqui estão devem ter passado por situações iguais, ou até piores que essa, mas isso é para dar um exemplo pequeninho, que a moça que cuida do banheiro achou isso, na cabeça dela, porque todos os dias dizem isso. E quem aparece na televisão, quem é destaque nas coisas boas, naquelas coisas que são gloriosas, não são os negros, e muito menos eles têm cara de gente comum, que sobem nos ônibus, que moram lá na periferia, para essas pessoas sobram lugares que não são como esses.

Então, assim, eu propus essa Sessão, para que a gente pudesse refletir sobre essas coisas. Infelizmente, tive que contar esse fato que aconteceu há uma hora, mas eu espero que isso sirva para refletir o quanto está incutido na gente, que lugar de negro não é em todos os lugares, e a gente fez essa Sessão, eu e o pessoal da minha equipe trabalhamos bastante para dizer que lugar de negro é em todos os lugares, sim. E nós vamos levar muito tempo para conseguir provar isso, mas acredito fielmente que cada vez mais nós estamos constituindo uma corrente de gente que acha que é importante, fundamental, dizer que muito mais do que ter um dia para a gente conversar sobre isso, são todos os dias falar da auto-estima, da qualidade do negro, não só na época do carnaval ou na época do esporte. Não. Eu quero o negro em todos os lugares mesmo, fazendo política, traçando a qualidade de vida das pessoas, porque existem muitas pessoas com qualidade, é só darmos uma volta na periferia da Cidade, onde se encontram a maioria dos negros que vamos ver iniciativas maravilhosas de cidadania. Lá onde as pessoas trabalham realmente a auto-estima. A auto-estima do cidadão e do cidadão negro, porque na periferia da Cidade está a maioria dos negros. É só chegar na faculdade e olhar... de vez em quando tu encontras um negro. Eu fui, esses dias, em uma formatura e fiquei olhando, havia três turmas se formando e havia quatro pessoas que eram negras. E a gente tem que pensar. O que acontece que os negros não conseguem chegar até lá na faculdade? Será que é por causa disso que todo o mundo diz que negro não gosta muito de estudar, nem de trabalhar, sei lá, tem tantas coisas que todo mundo diz que o negro não gosta, ou que não são capazes.

Já teve um tempo em que eles achavam que a gente era inferior, que a cabeça era inferior, que tudo era inferior. Agora, não. Eles já admitem que são tudo igual, mas aí são vagabundos.

Então, para encerrar o meu pronunciamento, que nem é bem um pronunciamento, foi mais uma conversa, eu gostaria de parabenizar a Câmara de Vereadores, que concedeu este espaço para realizarmos esta Sessão Solene.

Gostaria de agradecer a todos que compareceram aqui e pedir que reflitam sobre essas questões, pois, infelizmente, hoje, a sociedade não é igual para negros, não é igual para mulher, não é igual para deficientes, não é igual para homossexuais, ela não é igual. A sociedade tem que ser igual para poder ser justa e fraterna. Agradeço, emocionada, a Zumbi dos Palmares, o grande herói negro da história brasileira. Muito obrigada.

 

(Não revisto pela oradora.)

 

O SR. PRESIDENTE (João Motta): A Ver.ª Clênia Maranhão está com a palavra e falará em nome do PMDB.

 

A SRA. CLÊNIA MARANHÃO: Sr. Presidente, Sr.as Vereadoras e Srs. Vereadores. (Saúda os componentes da Mesa e demais presentes.) Queria saudar, mais uma vez, a iniciativa da Ver.ª Saraí Soares, que propicia nesta tarde, esta Sessão, nos levando à reflexão de um tema que é um pouco a história da Vereadora. Ouvindo o pronunciamento da Ver.ª Saraí Soares, onde ela diz que não foi um pronunciamento, foi mais uma conversa, eu estava pensando que a emoção implícita no seu discurso era o que dava o tom ao seu pronunciamento, porque penso que, quando falamos com proximidade do tema que vivemos, conseguimos exprimir através da linguagem a trajetória de luta que a pessoa construiu. Sempre digo que somos no presente a história que construímos. Não seria o meu papel, neste momento, tendo em vista a solenidade sugerida pela Ver.ª Saraí Soares e pela oradora que vai falar depois de mim, Ver.ª Tereza Franco, e olhando este Plenário e vendo que ele é composto por mulheres e homens que dedicaram grande parte de suas vidas à luta pela eliminação da discriminação racial. Não me caberia, aqui, fazer uma análise da história da raça negra no nosso País, nem uma análise sociológica, antropológica dos fatos que se sucederam nesses chamados 500 anos da história brasileira, que todos nós sabemos que é apenas uma etapa da nossa história. Não quis deixar de falar nesta Sessão, porque eu acho que quando se traz, para dentro do parlamento, um tema como esse, é significativo de um momento político que nós construímos na sociedade e que se reflete num tipo de ação que é desenvolvida pelos Parlamentos. Evidentemente, se, do ponto de vista da sociedade, as mulheres, os negros, os índios não tivessem dado visibilidade às suas questões, seguramente, esses temas passariam à margem dos debates do Parlamento, porque eles não eram considerados temas políticos por quem fazia política, até há muito pouco tempo. A não ser por alguns expoentes desse movimento que, vencendo todas as barreiras, conseguiram furar os caminhos partidários e parlamentares e se colocar nesse espaço de representação política.

Se hoje é o dia que nós estamos falando, registrando, lutando, marcando a luta pela eliminação da discriminação racial, eu queria dizer que hoje um fato extremamente grave me impressionou, vendo a televisão, e evidentemente todos os dias, através da mídia, com o risco, inclusive, da banalização, nós vemos fatos estarrecedores no que se refere a violência, fundamentalmente, nos países majoritariamente de raça negra. Os massacres, genocídios, o apartheid, o colonialismo, essa política evidentemente expansionista e belicista que hoje se direciona fundamentalmente para os países africanos, eu acho que é o maior expoente da discriminação que nós vivemos neste final de século.

Tenho escutado, inclusive, alguns políticos que celebram o final do século XX como um século de conquista da democracia e dos direitos humanos. Nós avançamos muito nessa direção, do ponto de vista legal e institucional, porém em nenhum país do mundo poderá se falar em democracia, enquanto não houver a democracia racial. Alguns países são os principais responsáveis por essas políticas expansionistas e, em nome da democracia, executam muito dessas ações. É o caso de Angola e de tantos países africanos que são vitimados por esse tipo de política, países marcadamente constituídos por uma população com uma história de luta e de resistência; esses, sim, é que devem inspirar os ideais de democracia do século XXI.

Hoje eu vi uma reportagem - muitos de vocês devem ter visto na televisão -, onde se apresentava, como uma grande iniciativade de uma cidade americana, a instituição de um novo seguro para as minorias. Na verdade, era um seguro que tentavam vender aos negros, para que esses pudessem ter direito a ligar para um número e a recorrer a uma mobilização e ação, quando fossem aprisionados pela polícia. Aquilo que tem que ser o direito básico de todos, o direito de ir e vir, o direito de segurança, o direito à liberdade, tem que ser pago de uma forma diferenciada, para que a população negra americana tenha a possibilidade de, sendo detida na rua, receber o mesmo tratamento daqueles que não são negros.

Eu fiquei pensando o quanto nós avançamos, realmente, na questão racial neste século, se, em vez de estarmos construindo soluções efetivas de uma cidadania que respeita as diferenças, estamos ainda tendo que buscar alternativas financeiras e econômicas para poder garantir o direito básico fundamental de liberdade.

A iniciativa da Ver.ª Saraí Soares é muito pertinente no último dia deste século, quando vamos comemorar o Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial, e acho que terão que acontecer muitos e muitos dias denunciando, celebrando, exigindo e dando visibilidade a essa realidade no século que se inicia, porque qualquer mudança pela igualdade, qualquer mudança contra uma situação de desigualdade encontra sempre todos os obstáculos de uma sociedade que se alicerça na discriminação, na exclusão. Eu queria fazer um registro que a Ver.ª Saraí já fez, mas que acho que é muito importante fazermos, que essa discriminação é dupla, quando recai sobre a pessoa que além de ser negra é mulher. Quando a Ver.ª Saraí colocava o exemplo dela, entrando no banheiro, porque é negra não poderia ser considerada Vereadora, eu queria dizer a ela que eu também teria muitos exemplos para contar que, pelo fato de ter um sotaque nordestino, para muitos, eu também não deveria estar aqui. Muito obrigada. (Palmas.)

 

(Não revisto pela oradora.)

 

O SR. PRESIDENTE (João Motta): Gostaríamos de registrar as presenças, como extensão da Mesa: Dr. Telmo Kruse, Vice-Presidente do Conselho de Cidadãos Honorários de Porto Alegre; Dr. Humberto José Scorza, Coordenador do Conselho Municipal de Saúde; Sr. Renato de Oliveira Santos, Secretário Estadual do Partido dos Trabalhadores para o Combate ao Racismo; Sra. Maria Helena Calixtu Peninha, representante da Executiva Municipal da Ação Mulher Trabalhista - AMT; Sr.ª Samanta Buglione, representante do Grupo THEMIS de Estudos e Assessoria Jurídica; Sra. Eva Enedi de Medeiros, representante do Centro Comunitário ARAPEI e demais convidados que nos honram com suas presenças neste ato.

Antes de passar a palavra a próxima oradora, gostaria de, a exemplo de um outro precedente que esta Presidência abriu, no dia 8 de março, convidar a Ver.ª Saraí Soares para presidir a Sessão, a partir de agora. Nada mais justo que, neste momento, esta Sessão seja presidida, uma vez nesses duzentos e vinte e seis anos, por uma Vereadora negra.

 

(Procede-se a troca de Presidência.)

 

A SRA. PRESIDENTE (Saraí Soares): A Ver.ª Tereza Franco está com a palavra para falar em nome do PTB.

 

A SRA. TEREZA FRANCO: Sr. Presidente, Srs. Vereadores. (Saúda os componentes da Mesa e demais presentes.) É uma dificuldade para esta Vereadora vir a esta tribuna. Mas eu não poderia deixar de vir hoje, no Dia Internacional para Eliminação da Discriminação Racial. Por falar nisso, não existe negra mais sofrida do que eu, que desde os seis anos de idade venho sofrendo na carne por ser negra! Vivi atirada numa vila, lá onde ninguém me via. Fui passar a ser gente, após conhecer aquele que eu digo que é meu amigo, meu filho, meu irmão, meu pai, que é o Zambiasi, que me arrumou um emprego.

No dia 14 de março eu fiz 66 anos.

Eu tenho marcas de queimaduras - fui criada por uma família de Canelas, em São Paulo, para quem eu fui doada - porque a D. Julieta, quando o esposo saía para trabalhar, abria a torneira de água fervendo e me batia para que eu entrasse naquela água. Ela dizia que negro era como porco que, com água fervendo e passando a faca, ele branqueava. Essa senhora me judiou muito. Hoje, eu tenho queimaduras nos braços por ela me queimar, propositadamente, por eu não saber fazer arroz, ela tirava a panela do fogo e encostava no meu braço. Eu, pequena, longe da minha mãe, que me doou, vi a minha carne sair colada na panela. Lembro como se fosse hoje. Eu tive a ajuda dos vizinhos, porque, quando eu fui colocar o lixo na lixeira do corredor, a vizinha viu meu braço em carne viva e perguntou o que era aquilo. Então, eu disse que eu havia sido queimada. Fiquei mais alguns dias com ela e ainda ela me bateu com o batedor de bifes de alumínio furando minha cabeça. Eu sempre ouvindo a palavra negra, negra de má conduta e outros nomes. Ela me levou, mas me judiava daquela maneira, tinha ódio de mim. Até que o Juizado de Menores bateu lá e me mandou de volta. Eu vim de trem. Até hoje tenho marcas horríveis do que eu sofri quando criança e por ser discriminada por ser negra.

Tenho 66 anos, há 36 anos a minha vida era razoável, há 15 anos fui trabalhar na Rádio com o Zambiasi e de onde saí Vereadora.

De tudo isso, quero dizer que todos nós, negros, temos o nosso lado especial em baixo da nossa cor. O negro tem bom coração. O negro é um bom cantor. Cada um de nós tem a sua especialidade, basta encontrar uma pessoa e ter o seu apoio, como eu tive. Não foi fácil eu chegar nesta Câmara e ser uma Vereadora.

Nós temos tantas mulheres negras maravilhosas, professoras, doutoras, enfermeiras, cabeleireiras e esta Câmara poderia estar cheia delas. E eu peço, se Deus nosso Senhor quiser, na próxima eleição, que possamos colocar mais mulheres negras.

Mulheres, candidatem-se! Vão à luta, vocês conseguem! Eu saí lá do fundo da vila, de pés no chão, ninguém dizia nada! As minhas zonais não acreditavam em mim. Eu cheguei num lugar, onde disseram do meu lado: “Eu não sei o que é que o Zambiazi quer, apostando tudo nessa nega, que não sabe fazer nem o nome dela”. Eu tive que manter a minha linha, fiquei na minha. Aí, no outro dia, eu comentei o assunto com o Zambiazi e disse a ele que “eu não sabia se ia conseguir segurar muito tempo essa ladainha, pois não sou de confiança”. Ele me disse para “não dar bola, para ficar na minha que isso iria passar”.

Resumo: fui eleita, graças a Deus e ao povo que me colocou aqui. Passadas algumas semanas, Zambiazi me disse que “tinha uma pessoa que ele queria que fosse trabalhar comigo”. Eu respondi: “Olha, sendo tu quem estás mandando...Quem é?” Ele disse: “É fulana”. Eu retruquei, dizendo que “aquela fulana eu não aceitaria, que ele não perguntasse o motivo, mas fizesse isso com ela, que era uma branca, que eu não iria lhe dizer nada”. E pedi que ele lhe dissesse o motivo de eu não querer trabalhar com ela. Mas o Zambiazi não acreditava que tivesse acontecido isso, porém, eu confirmei o fato.

As pessoas questionam o motivo de me vestir assim, diferente das outras.

Sabem por quê? Porque esta nega quer ser notada. Esta nega tem orgulho de ser negra. Se eu colocar uma roupa comum, ninguém vai me olhar duas vezes. Assim, tenho certeza de que uns três ou quatro param para me ver, porque eu estou diferente, estou africana. Eu tenho orgulho da minha cor. Tenho certeza de que todos nós, negros, temos orgulho da nossa cor. E temos que batalhar por nós.

Agradeço à Presidenta Saraí Soares, que me convidou muito, pois eu não queria vir mesmo, eu encabulo. No fim, termino me emocionando. Mas eu vim, porque era uma coisa íntima, uma coisa nossa, da nossa raça, e nós temos de nos unir.

Eu quero encerrar agradecendo a todos e dizendo que eu espero que Deus Nosso Senhor nos ajude para que, no próximo ano, nós tenhamos mais mulheres negras aqui.

O “cara” aquele da CEEE disse, quando eu era candidata, que teria de colocar mais bicos-de-luz na Câmara, porque eu a iria escurecer. Nem que nós tenhamos de colocar mais quinhentos bicos-de-luz, que venham mais mulheres negras para dentro da Câmara. Muito obrigada. (Palmas.)

 

(Não revisto pela oradora.)

 

A SRA. PRESIDENTA (Saraí Soares): Quero registrar, como componente da extensão da Mesa, a Sra. Elizabete Freitas, Presidenta da COOTRAVIPA, que nos dá o prazer da sua presença.

O Ver. Carlos Alberto Garcia está com a palavra. Fala pela Bancada do PSB.

 

O SR. CARLOS ALBERTO GARCIA: Prezada Ver.ª Saraí Soares, Presidenta desta Sessão neste momento, Presidente da Câmara Municipal de Porto Alegre, Ver. João Motta. (Saúda os componentes da Mesa e demais presentes.) Primeiramente nós gostaríamos de parabenizar a Ver.ª Saraí Soares por esta iniciativa.

Eu estava atento ouvindo a Ver.ª Tereza Franco. Eu sou um apaixonado pela Tereza porque ela é sábia. Ela é minha vizinha neste Plenário. Eu tenho duas vizinhas: a Ver.ª Clênia Maranhão, que se senta ao meu lado, e a Ver.ª Tereza Franco, que é a minha vizinha da frente.

Comigo a Tereza Franco tem bastante liberdade; é daquelas pessoas com quem nós temos a oportunidade de conversar, ela tem dificuldade de falar, mas tem sabedoria como poucos.

Ver.ª Tereza Franco nunca disse de público, estou dizendo, agora, que o interior de V. Ex.ª fala mais alto do que palavras. Continue sendo a mesma, pois é importante.

Estamos celebrando o Dia Internacional para Eliminação da Discriminação Racial, estas coisas não podem ser feitas, simplesmente, por decreto. Elas têm que ser feitas por luta.

A Ver.ª Saraí Soares falou do Quilombo dos Palmares, esta luta continua ainda, é uma luta permanente, porque um País como o nosso tem milhares de discriminados, não é somente o negro, é também o índio, a mulher, a criança, o idoso. Se somarmos, veremos que a maioria do povo brasileiro é discriminado. São os paradoxos do nosso sistema. Os excluídos, que são a grande maioria, tentam ser incluídos por uma minoria. Isso é histórico.

Quando se discutiu, na época da Lei Áurea, a questão do sexagenário, o negro velho, depois de sessenta anos, era liberto. Era liberto, pois não produzia mais.

Que liberdade é essa? Pergunto: que liberdade tem a grande maioria do povo brasileiro com 136 reais? Quando tem, porque a grande maioria não tem trabalho.

Qual é a perspectiva de um chefe de família, que sai de casa para procurar emprego e volta para o seu lar, que na maioria das vezes não é lar, e diz que mais uma vez não conseguiu emprego.

Então, na realidade, este é um país que não vive a sua democracia plena, porque os iguais são tratados desigualmente. Essa é uma reflexão que temos que fazer no dia-a-dia. No dia em que o povo brasileiro tiver oportunidades idênticas para todos isso será eliminado. Quando se fala que o negro é excluído, se fala a verdade, pois ele é excluído, sim. Quando a Ver.ª Saraí Soares falou que ela foi numa formatura e viu apenas dois ou três negros, ela falou da realidade! Quantos conseguem chegar ao ensino superior?

A exclusão não é só do negro; é do pobre, é da mulher, que tem uma diferença de salário em relação ao homem. Volto a insistir: isso não se faz por decreto; isso se faz com luta. É importante enfatizar que a questão do Quilombo dos Palmares continua.

Aproveitando o momento dos 500 anos do Brasil, é bom que a população se dê conta de como foi colonizado o nosso País. Quem é que veio para cá? Por que as riquezas foram embora? Por que na África, hoje, a grande maioria do povo vive o sistema de autofagia tribal, matando-se entre si? É porque o povo branco foi lá, tirou as suas riquezas, e agora não se interessa; viram-lhe as costas e deixam-se matar. Essa luta também acontece aqui no dia-a-dia. Se nós notarmos aonde cada um mora nós sabemos que mesmo dentro do nosso lar existe a exclusão, no nosso vizinho pode existir a exclusão. Isso só será sanado no dia em que todos tiverem oportunidades iguais. Eu questiono: quando?

Estamos vivendo a época da Quaresma, e este ano a Igreja, na Campanha na Fraternidade, tem colocado a questão da exclusão. Mais do que nunca é importante sabermos que temos de lutar, sim, e volto a insistir: isso não se faz por decreto, mas por luta, por brado, dizendo: eu estou aqui; eu quero a minha vez, eu quero o meu espaço.

Ver.ª Saraí Soares, parabéns pela iniciativa. Muito obrigado.

 

(Não revisto pelo orador.)

 

A SRA. PRESIDENTA (Saraí Soares): O Ver. Reginaldo Pujol está com a palavra, em nome das Bancadas do PFL e PSDB.

 

O SR. REGINALDO PUJOL: Sr.ª Presidenta Saraí Soares, cuja presença no comando deste Legislativo, nesta Sessão Solene destinada a comemorar o Dia Internacional para Eliminação da Discriminação Racial, não é um mero símbolo, é uma postura deste Legislativo, que tem sido, ao longo do tempo, um quebrador de tabus, um quebrador de discriminações desde que registrou, historicamente, a presença da primeira mulher em um parlamento, desde a circunstância de que aqui, penso eu, seja um dos primeiros parlamentos deste País, especialmente nas capitais, em que a raça negra teve assento, ainda com o Ver. Paulo Oliveira, nosso querido Paulo Lumumba, e até hoje representado por uma pessoa que consegue configurar esses dois símbolos da luta antidiscriminação, a minha querida Ver.ª Tereza Franco, que a um só tempo, como ela disse, é negra e mulher.

Srs. Vereadores. (Saúda os componentes da Mesa e demais presentes.) Meu amigo Presidente desta Casa, responsável por este ato que vai além de uma mera simbologia, Ver. João Motta. Meus senhores, minhas senhoras, esta Casa tem, reiteradamente, ano após anos, reunido-se neste dia com a finalidade de integrar-se nessa cruzada que se faz no sentido de se enfrentar e se buscar a eliminação da discriminação racial. Os Vereadores que me antecederam já foram muito pródigos em acentuar características especialíssimas dessa luta, especialmente o Ver. Carlos Garcia, que representou o Partido Socialista Brasileiro e foi muito enfático quando repetiu que a eliminação plena dessas mazelas sociais não se obtém por mero decreto, porque é uma questão de luta, e, eu acrescentaria, uma questão de conscientização. Já tive oportunidade, em outras ocasiões, de assinalar a circunstância de que às vezes parece que as pessoas estão satisfeitas com o estágio das conquistas conseguidas. Esta Casa, por exemplo, no dia de hoje, deveria ter um número maior de pessoas, um número maior de lutadores para se somar a este movimento, que é um ato simbólico da Câmara, mas o povo precisa de símbolos. Esta Câmara poderia não estar reunida, no dia de hoje, com esse objetivo, mas está, ano após ano não tem faltado a lembrança de algum Vereador requerer, e obter sempre, por decisão unânime do Legislativo, a convocação dessa reunião, porque a luta, a conscientização deve continuar. Ao mesmo tempo que enfatizo essa peculiar circunstância de eu estar presente, no dia de hoje, em que, pela diligência do Ver. João Motta, nós enfatizamos o nosso gesto, colocando a companheira e Ver.ª Saraí Soares na presidência dos trabalhos, gostaria de dizer que não nos surpreendemos mais, como nos surpreendíamos no passado, quando indagávamos por que só convidamos os negros e os pretos para as nossas reuniões. Afinal, a discriminação contra a qual nos rebelamos não se limita a essa circunstância, também achamos que é equivocada essa chamada limpeza étnica, que teima em acontecer no limiar do século XXI, com pessoas sendo mortas em quantidades inimagináveis na disputa racial entre pessoas que, às vezes, nem cor diferente tem, só tem origem racial diferente.

Quer dizer, este século, que está terminando, que foi testemunha do genocídio da II Guerra Mundial e que apresenta tantos fatos comprovadores do progresso da ciência, com homem na lua, com a informática, com todos esses outros fatos que o caracterizam como o século de luz, não conseguiu passar incólume diante dessas circunstâncias, diante dessas discriminações que hoje não se dão mais do jeito que acontecia no passado, porque existem movimentos que impedem que uma menina preta seja colocada embaixo da água quente para branquear sua pele, mais ainda existe sutilmente muita coisa que precisa ser combatida.

Acredito que os pronunciamentos anteriores já foram emblemáticos e elucidativos, mas quero propor que façamos, no ano que vem, mais uma demonstração de força, colocando mais gente neste Plenário. Vamos compreender, de uma vez por todas, que a simbologia desses atos não é pequena, que é, exatamente, da insistência da colocação de alguns fatos, de dizer que a segregação racial é abominável, que a discriminação do preto é ruim, que a discriminação da mulher é inconcebível, pelo nosso grau de civilização, de dizer que há intolerância com nordestinos... É comum ouvirmos, em nosso País, que as pessoas do nordeste nem deveriam ser brasileiras. É mais uma intolerância que, em atos como este, a gente tem que condenar, porque, se na campanha para a abolição da escravatura não houvesse aqueles que usavam a tribuna, os poetas sonhadores e os oradores inflamados, não sei se as coisas teriam acontecidos da forma como aconteceram aqui no País, muito mais simples, muito mais conseqüente, muito mais amena do que em civilizações adiantadíssimas, onde foi preciso que irmão lutasse contra irmão para se conseguir a abolição da escravatura.

Saúdo a Ver.ª Saraí Soares, na sua figura, o nosso emblema. Este Brasil é tão gozado, Vereadora, que eu, que me acostumei a desfilar com meus pretos na Restinga, a jogar futebol com meus pretos, para mim, a senhora não é uma preta. Preta, para mim, é a Ver.ª Tereza Franco. Para mim, a senhora é bem puxada uma sarará, e este País de sararás, que hoje se mescla, tem que dar essa lição para o mundo. Aqui, a integração vai ser uma concepção filante de uma cultura, essa cultura que fez com que o mundo, esportivamente 70, se dobrasse para os mulatinhos brasileiros, eles têm que se dobrar em todos os segmentos para que, ao lado da segregação, ao lado da discriminação não ocorra, socorro-me do Ver. Carlos Garcia, a figura de exclusão, que pode acontecer com branco, com preto, com amarelo e com todos, e que é, pense bem, outra forma de se discriminar.

Muito obrigado, Vereadora, por me oportunizar dizer estas palavras e meus cumprimentos a V. Ex.ª, pela iniciativa, tão bem celebrada nesta tarde, com pouca gente, é verdade, mas com muita qualidade. Muito obrigado.

 

(Não revisto pelo orador.)

 

A SRA. PRESIDENTE (Saraí Soares): Dando seqüência a nossa Sessão, pelo Partido dos Trabalhadores, o Ver. Antônio Losada está com a palavra em nome da Bancada do PT.

 

O SR. ANTÔNIO LOSADA: Sr. Presidente e Srs. Vereadores. (Saúda os componentes da Mesa e demais presentes.) Srs. Vereadores, comunidade, nós ouvimos vários depoimentos, aqui, de muito significado. Depoimentos vividos, sofridos, que refletem a verdade, que refletem a história. A possibilidade de nós participarmos desta Sessão Solene, sem dúvida, é uma iniciativa brilhante da nossa grande Vereadora do Partido dos Trabalhadores, Saraí Soares. Ela evitou que passasse em brancas nuvens uma data tão importante como a de hoje. Nós, também, vivenciamos a discriminação da raça negra, dos trabalhadores, dos pobres. Mas, durante seis anos, ficamos reclusos num presídio do nosso Estado e, aí, nós constatamos, diariamente, a todo instante, ali, de uma forma mais violenta, o quanto reflete a condição do negro num país capitalista.

Nós trabalhamos em várias indústrias. Indústrias de projeções, indústrias de nomes, de cidadãos que ganhavam muitos títulos, como melhor patrão do Brasil, o mais humano, mas ali trabalhavam, quatro, cinco mil operários e raramente se via um negro. Mas a luta do Mandella, na África do Sul, marcou a história dos negros, ela vem muito após o nosso grande Zumbi, e a partir desse processo de democratização que vem avançando a humanidade, apesar das grandes dificuldades sociais, econômicas e culturais, o negro vêm avançando, porque não poderia ser diferente. E vem avançando nas suas conquistas pela sua própria força, sem benesses daqueles que vêm lá da Europa, daqueles que a cultura elitizada dos nossos meios de comunicação procura conservar, introduzir em nossa Pátria.

Nós, com toda essa experiência também vivida na condição de trabalhador, nós queremos, aproveitando esse dia de luta nos remetemos a lembrar as famigeradas comemorações dos 500 anos do Descobrimento, mas não são no sentido de que a mídia e a Rede Globo querem que tenhamos, mas num sentido de reflexão. Por isso me proponho a refletir os verdadeiros heróis, heroínas, construtores do nosso Brasil, aqueles que foram e vêm sendo renegados pela dita história oficial, ou seja, de quem falamos e a quem queremos homenagear. Refiro-me, hoje, aos índios, que foram os primeiros habitantes desse País e são esquecidos; os negros e negras, que por mais de trezentos e cinqüenta anos foram os trabalhadores desse País. Pois tudo era feito por mãos negras, e como diz o historiador Santos, além de firmar os alicerces da economia brasileira, o negro deu o contorno àquilo que denominamos “alma brasileira”.

Por isso, hoje, além de um dia de luta, nossa cara Saraí, devemos revisar histórias, posturas e ações. Revisar no sentido de problematizar as visões etnocêntricas e a de que a supremacia de uma raça perante a outra, essas visões e posturas devem ficar no passado e serem lembradas com tristeza. O que almejamos hoje é o fim das desigualdades, é questionar as estruturas que mantêm o preconceito e o racismo. Esse é o nosso papel, o de transformar e lutar por uma nova ordem nas relações raciais, mas que não fique apenas nos discursos e nos livros, que esteja presente nas escolas, nas fábricas, nas ruas e no nosso dia-a-dia. Muito obrigado.

 

(Não revisto pelo orador.)

 

A SRA. PRESIDENTA (Saraí Soares): A Sr.ª Maria Conceição Fontoura, representando o Grupo Maria Mulher, está com a palavra.

 

A SRA. MARIA CONCEIÇÃO FONTOURA: Sr. Presidente e Srs. Vereadores. (Saúda os componentes da Mesa e demais presentes.) Saraí, esta Sessão que propuseste para que a Câmara de Vereadores de Porto Alegre fizesse uma reflexão sobre uma data extremamente importante que é o Dia Internacional para a Eliminação das Discriminações, parabéns pela coragem, parabéns pelo esforço de todo o teu gabinete. Sabemos que não foi fácil, mas podem ter certeza: valeu, terem realizado este ato. Muitas vezes, imaginamos que o número é extremamente importante, mas temos que entender que nem sempre o número é significativo, vale a qualidade e a sensibilidade. Os que estão aqui já foram tocados pela tua luta e pela mensagem que tu estás trazendo para dentro desta Casa.

Tereza, tu és uma mulher negra, simples e de poucas letras, mas com certeza, a maioria daqui é bastante letrada, mas tu és uma mulher negra e, assim com a Ver.ª Saraí Soares, nós mulheres negras temos o maior orgulho de vocês. Se fecharmos os olhos e lembrarmos da história deste País, veremos que as mulheres negras, mesmo simples, mesmo iletradas, mesmo com o seu trabalho singelo, que muitas vezes não é valorizado, são as mais importantes e fazem com que, por exemplo, eu tenha um curso de 3º grau, que eu tenha um curso de mestrado. A minha mãe foi empregada doméstica e, com esse trabalho, ela conseguiu fazer com que eu chegasse a patamares que a grande maioria negra ainda não chegou, mas nós chegaremos e já estamos chegando.

Ver.ª Saraí Soares, pela tua coragem, mais uma vez, podes acreditar que estás no caminho certo. O nosso caminho e a nossa luta está sempre sendo testada.

Esta Câmara tem trinta e três Vereadores, mas se agora tu contares, não acharás seis, muitos deles vieram aqui, fizeram a saudação e disseram assim para os negros e negras: “Olha, nós cumprimos a nossa etapa.” A solidariedade é mais do que vir aqui fazer o discurso, é estar junto.

Quem olhou os jornais, neste fim de semana, viu que, na luta pela indicação para Prefeito dos vários partidos, a maioria dos candidatos está abraçado a um de nós, a um negro ou uma negra. Digo isso porque eu também estava abraçada a um dos candidatos. Isso é muito significativo, diz que nós podemos fazer determinadas coisas, entre elas, ajudar a eleger aqueles que dizem que vão nos representar, mas, na hora, conseguimos os votos, distribuímos santinhos, a nossa casa é um comitê privilegiado, mas, na hora de governar, eles governam sem nos chamar, porque eles imaginam que estão entendendo, que estão representando aquilo que sentimos, e isso não é verdade.

Nós, negros, nesses 500 anos de Brasil, temos que nos sentir orgulhosos. É extremamente importante que digamos que, nós, negros, quando estamos aqui e denunciamos o racismo presente na sociedade, e dizemos coisas como a Tereza disse, como a Saraí disse que a moça da limpeza disse que ela não poderia estar ali, porque ela olhou para alguém que não tem a cor da maioria que manda aqui, nesta Casa, achou que a companheira Saraí não poderia ser a Vereadora. Mas, nesses 500 anos, onde nós fomos os construtores históricos deste País, fomos nós que construímos física, econômica e socialmente este País. Nós queremos outros 500 e vamos fazê-lo!

Daqui há uns anos, companheiros, não precisaremos estar aqui dizendo que somos poucos, aqui, nesta Câmara. Nós tomaremos, pela nossa competência, esta Câmara de Vereadores. Aí, companheira, não será um ato solene o teu de presidir a Mesa, tu presidirás porque estarás imbuída desse papel, efetivamente, e muitas outras caras negras estarão também à Mesa. E nós dizemos isso, porque temos certeza: nós lutamos para isso, desde o início em que aqui chegamos sempre fomos lutadores e fomos lutadoras.

Saraí, pela coragem, mais uma vez, nós te agradecemos e às mulheres negras, mais uma vez, eu também quero agradecer a luta. Em dizendo que agradeço às mulheres, não quero dizer que esteja desprezando os companheiros homens, mas dizemos assim: a mulher negra é que, até aqui, tem, com certeza, como diz a música, “segurado o rojão”. E os companheiros negros, que são solidários, são também extremamente importantes nesta luta.

Quando ouvi as pessoas se manifestarem, ainda há pouco, lembrei-me de uns versos de uma música, que dizem: “Como falar de tristeza sem ser pobre? Como falar de pobreza, sem ser triste?” Eu fiz um adendo, pela luta que a gente vem travando, que é o seguinte: “Como falar de exclusão sem ser negro? Como falar de negro sem falar de exclusão?” Quando companheiros aqui vêm dizer que a luta dos excluídos passa pelos outros segmentos, tentando minimizar a luta do povo negro, nós, que conhecemos a verdadeira história do povo negro, sabemos que a maior exclusão ainda é a exclusão da comunidade negra.

Não podemos, companheiros e companheiras, tentar jogar tudo no mesmo saco! É óbvio, é claro, é certo que nós somos contra todo e qualquer tipo de exclusão. Mas nós queremos que a luta da população negra tenha o seu papel bem específico na construção das políticas públicas, na visibilidade das nossas especificidades enquanto mulheres, enquanto demandadoras de políticas, por parte do Estado brasileiro.

Quero novamente agradecer e saudar a coragem da companheira Saraí Soares. Muito obrigada. (Palmas.)

 

(Não revisto pela oradora.)

 

A SRA. PRESIDENTE (Saraí Soares): O Vice-Prefeito José Fortunati está com a palavra.

 

O SR. JOSÉ FORTUNATI: Querida Ver.ª Saraí Soares, ao cumprimentá-la quero cumprimentar a todos que se encontram nesta Sessão, dizendo, em meu nome e em nome do Prefeito Raul Pont, da nossa satisfação em podermos participar de um ato que é simbólico, sim, mas, extremamente, importante para que possamos fazer uma reflexão muito clara sobre a discriminação racial que se comete neste País, neste Estado e nesta Cidade.

O que mais nos espanta no cotidiano é que ouvimos de autoridades, de personalidades e de pessoas comuns do povo que, entre nós, não existe racismo. Essa é uma tentativa do cotidiano de que os meios de comunicação tentam impor como se os problemas raciais existentes entre nós, especialmente, em relação ao negro, fossem de menos importância. É uma espécie de verdade ou de meia verdade que procura se impor para, quem sabe, amortecer a dor na consciência desses formadores de opinião, dessas pessoas que ocupam cargos públicos e que têm responsabilidade diante dos fatos que acontecem.

Nós sabemos muito bem que o racismo existe, que o preconceito existe, especialmente contra o negro. Quando a minha querida amiga Saraí Soares, Sônia Saraí, na verdade, relembrava da tribuna uma série de fatos cometidos contra negros, eu lembrei de um caso que me marcou muito: o caso do homem errado. Júlio César, um homem negro que estava num supermercado junto com tantas outras pessoas e que se sentiu mal, e, por sentir-se mal, acabou sendo preso por policiais militares que o colocaram numa viatura. As fotos mostram até hoje que, ao sair do supermercado, ele estava bem, ele estava com vida, e trinta minutos após acabou sendo entregue a nós, à Cidade, morto. Isso, certamente, não teria acontecido se tivéssemos, no mesmo caso, um homem branco, com toda certeza.

Esse caso retrata para mim, até hoje, um exemplo típico de discriminação racial que continua, infelizmente, existindo entre nós. Se andarmos pelas ruas, se passarmos pelas nossas repartições, dentro das fábricas, dentro de bancos, nós percebemos que o tratamento dado a dois homens ou a duas mulheres, por terem cores diferenciadas, certamente, é um tratamento diferenciado. Infelizmente, isso continua acontecendo entre nós.

Tenho plena consciência de que nesses doze anos de Administração Popular conseguimos nessa luta constante e cotidiana, não da Administração, mas da municipalidade, sérios avanços, contundentes e importantes.

Mas quero, aqui, de público, reconhecer que esses avanços ainda são muito insignificantes diante de uma realidade que ainda é cruel, especialmente, com a população negra. Por isso, estou aqui, em nome do Prefeito Raul Pont, para reconhecer que na nossa Cidade ainda existe discriminação racial, especialmente em relação à raça negra. Mas, ao mesmo tempo, em nome do Prefeito Raul Pont, quero afirmar que somos parceiros para continuar enfrentando, de cabeça erguida, essa importante luta, que só se dará se todos nós, brancos, negros e de todas as raças tivermos a coragem de, a cada momento, nos insubordinarmos contra qualquer tipo de discriminação, seja a que aconteceu com a Ver.ª Saraí Soares, hoje à tarde, como com outros tantos fatos, alguns, aparentemente pequenos, mas todos importantes para que possamos, quem sabe, sonhar com a eliminação definitiva da discriminação racial entre nós.

Boa luta para todos nós! Muito obrigado. (Palmas.)

 

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE (João Motta): Convidamos a todos para ouvirmos o Hino Rio-Grandense.

 

(Executa-se o Hino Rio-Grandense.)

 

Estão encerrados os trabalhos da presente Sessão Solene.

 

(Encerra-se a Sessão às 18h50min.)

 

* * * * *